A leitura é muito mais
do que decifrar palavras.
Quem quiser parar pra ver
pode até se surpreender;
vai ler nas folhas do chão,
se é outono ou se é verão;
nas ondas soltas do mar,
se é hora de navegar;
e no jeito da pessoa,
se trabalha ou se é à-toa;
na cara do lutador,
quando está sentindo dor;
vai ler na casa de alguém,
o gosto que o dono tem;
e no pelo do cachorro,
se é melhor gritar socorro;
e na cinza da fumaça,
o tamanho da desgraça;
e no tom que sopra o vento,
se corre o barco ou vai lento;
e também na cor da fruta,
e no cheiro da comida;
e no ronco do motor,
e nos dentes do cavalo;
e na pele da pessoa,
e no brilho do sorriso;
vai ler nas nuvens do céu,
vai ler na palma da mão;
vai ler até nas estrela,
e no som do coração.
Uma arte que dá medo
é a de ler um olhar,
pois os olhos têm segredos
difíceis de decifrar.
Ricardo de Azevedo,
do livro "DEzenove poemas desengonçados.
São Paulo, Ática, 1998
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